A tradição cultural das comunidades tem, no mês de Agosto, o tempo de maior pendor celebrativo-religioso.
Muitas das Festas são dedicadas a Nossa Senhora, sob as mais diversas invocações, sem no entanto coincidirem com o calendário litúrgico. É o caso da Festa de Nossa Senhora de Lourdes.
Em várias localidades açorianas, nomeadamente: Lajes do Pico, Santo Antão, em São Jorge e Capelas, em São Miguel, a Mãe de Jesus, aparecida em Lourdes, é celebrada, com muita fé e entusiasmo.
Na Vila Baleeira dos Açores, como na Sé de Angra e em Santo Antão, esse culto foi impulsionado pelo lajense, então Vice-Reitor do Seminário, Dr João Paulino de Azevedo e Castro, mais tarde Bispo de Macau.
A génese da devoção dos baleeiros à sua Padroeira Nossa Senhora de Lourdes, remonta a um “dia de 1882, (quando) regressavam de uma “arriada à baleia” como diziam, o mar revoltou-se, tornando-se mesmo tempestuoso, e impedindo as canoas de entrarem, no porto interior. Foi aí que baleeiros e familiares, os lajenses em geral, invocaram a protecção da Virgem, aparecida vinte e seis anos antes, em Lourdes, e a Senhora atendeu o seu clamor.” 1
Desde então, começou a celebrar-se, anualmente, no último domingo de Agosto, a Festa em honra de Nossa Senhora de Lourdes, integrada, há poucos anos, na Semana dos Baleeiros. Apesar dos programas englobarem concertos musicais, exposições e outras atividades culturais e desportivas, os eventos mais concorridos são as celebrações litúrgicas, a procissão de domingo, e as tradicionais regatas a remos e à vela em botes baleeiros, agora também com a participação feminina.
Longe vão os tempos de aflição da caça à baleia que ceifou dezenas de vidas, em toda a ilha, e que constituiu o ganha pão de centenas de famílias e alimentou uma indústria importantes para a época.
Os primeiros baleeiros foram americanos, sob o domínio inglês.
“Em 1768, andavam por estes mares açorianos,(...)200 navios com a bandeira inglesa, na caça da baleia, o que levou o governador e capitão-general D. Antão de Almada, (...)a dirigir-se ao Ministro do Reino reclamando contra a presença desses navios.”2 Em 1859, porém, a frota norte-americana superava já as 600 embarcações.3
“Por volta de 1850, João Paulino L.N. da Silveira construiu na Vila das Lajes as primeiras casas de recolha de canoas e equipamento da pesca. Terá então armado um brigue...”4
Só em 1876 é constituída a primeira armação baleeira na Calheta de Nesquim numa parceria entre os norte-americanos Samuel Dabney e George S.J.Olivier e o Capitão Anselmo Silveira, também ele cidadão americano, mas natural e residente naquela freguesia.
Estava aberto o caminho para formação de outras armações baleeiras no Sul da Ilha do Pico. “Em 1897 estavam registadas, na Delegação Marítima do Pico, 27 canoas baleeiras: 16 nas Lajes, 4 nas Ribeiras, 3 da Calheta de Nesquim e 4 no Cais do Pico.”5
O desenvolvimento e importância da indústria baleeira na ilha do Pico foi de tal forma que, só na Vila das Lajes existiram 21 botes baleeiros.
A primeira canoa açoriana – São José - foi projetada e construída pelo jovem calafate Francisco José Machado, em 1881. Teve como base os pequenos botes importados dos Estados Unidos, mas foi adaptada aos condicionalismos dos equipamentos utilizados na captura de cachalotes, tendo sido dotada de maior capacidade operacional, maior segurança e autonomia de navegação.
O bote baleeiro é uma embarcação única no mundo que, por isso, nos devia orgulhar.
Falar da actividade baleeira e da economia que ela gerou, não só no Pico, como nas outras ilhas, faz parte de uma história que terminou em 1987, com a captura de três cachalotes em sinal de protesto, devido ao abandono a que foram votados, desde 1983, os interesses dos armadores baleeiros.
Desde então, a baleação transformou-se na epopeia de um povo que o escritor Dias de Melo consagrou e que é revivida e recontada pelo valioso património existente no Museu dos Baleeiros das Lajes, o mais visitado dos Açores.
As regatas baleeiras deste sábado da Semana dos Baleeiros, já não integram os antigos e famosos remadores, trancadores e mestres João Maurício, Francisco Machado (Barbeiro), Manuel Garcia, Palim, João Lélé, Manuel Augusto... só para mencionar alguns, de uma plêiada de heróis populares.
Na cana do leme e nos bancos dos botes, vão estar rapazes e raparigas cuja valentia devem aos baleeiros picoenses que lutaram pelo pão com sacrifício e dor, protegidos pela sua padroeira Nossa Senhora de Lourdes.
A todos fica esta homenagem que pretende apenas relevar “vidas vividas terra de baleeiros”, como escreveu Dias de Melo.
1 Avila, Ermelindo, Album da Ilha do Pico, pag 112
2 Avila, Ermelindo, Figuras & Factos II Vol. Pag 176
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